A Águia e a Serpente

~ Singelas ousadias de pensador incipiente. Cá estou para realizar o meu ofício: pensar. Pensar com a Filosofia, com a Arte e com a Ciência. Suscitar acontecimentos.

A Águia e a Serpente

Arquivos de Categoria: Filosofia da Diferença

Jean-Paul Février fala sobre a Filosofia da Diferença e sua irredutibilidade à moda pós-moderna

17 quarta-feira ago 2016

Posted by Rico in Deleuze, Filosofia da Diferença, Filosofia Política, História da Filosofia, Nietzsche

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Deleuze, Filosofia da Diferença, Pós-modernidade, Potência do falso, Teatro

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Jean-Paul Février fala sobre a Filosofia da Diferença e sua irredutibilidade à moda pós-moderna1

  

Pierre: O senhor buscou sempre enfatizar que suas pesquisas giram em torno de um conceito como o de Diferença, tal como Deleuze, que foi também seu professor e orientador, o concebia. Todavia, alguns críticos vêem no senhor a marca de um desvio: haveria, aí, uma aproximação perigosa entre a filosofia da diferença e o pós-modernismo. A que se deve tal desvio (se é que se trata de um)?  Continuar lendo →

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Políticas da imanência: o devir-animal contra a máquina antropocêntrica

14 domingo jun 2015

Posted by Rico in Antropologia, Contemporaneidades, Deleuze, Filosofia da Diferença, Filosofia Política

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Antropocentrismo, Deleuze, Devir-animal, Imanência, Perspectivismo

kafka-metamorfose

Resumo: A partir das incursões da antropologia contemporânea nas cosmologias das sociedades não ocidentais, tornou-se urgente resituar o homem frente o animal. Restituir uma certa positividade e imanência do segundo em relação ao primeiro. Pensar a diferença que os separa e, paradoxalmente, os arrasta um para o outro, não como uma diferença hierárquica ou disjuntiva, mas como outra coisa. Para o breve estudo aqui proposto, ter-se-á em mente que a máquina antropocêntrica procurou relegar ao animal o lugar obtuso da falta. Tratar-se-á, portanto, de problematizar o estatuto negativo dos animais, tentar mostrar que essa negatividade serve às capturas promovidas pela máquina antropocêntrica. Ao mesmo tempo, apresentar-se-á certos esforços de repensar o animal em outros termos que não os da máquina antropocêntrica. 

Palavras-chave: Antropocentrismo; Deleuze; Devir-animal.

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O fraquejar da razão: sobre os ensaios céticos de Russell

07 segunda-feira jul 2014

Posted by Rico in Deleuze, Filosofia da Diferença, História da Filosofia

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Ceticismo, Moral, Racionalismo, Representação, Russell

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    Que Russell se inscreva na tradição racionalista da filosofia e que por tal motivo tome emprestado o ceticismo tão-somente como um instrumento que lhe possibilitará dar conta de certos problemas concernentes à racionalidade (seus limites, seu funcionamento, sua natureza etc.) sem, no entanto, refutá-la, será admitido de pronto por nós. Tal verdade permitir-nos-á lançar luz à problemática da imagem do pensamento sob o prisma da filosofia da diferença. Acreditamos que uma tal filosofia é a única capaz de dar conta do problema da racionalidade sem cair nos velhos e enfadonhos disparates da tradição. Tal como Nietzsche (1844-1900) desconfiamos do valor da “razão a todo custo” e identificamos em Russell, mais especificamente em seu ceticismo paradoxal, a marca dessa desconfiança que, no entanto, se postará no nível do recalcado, como aquilo que se combate, que se deve combater. Russell se nega a levar adiante sua suspeita, ele ainda quer ser racionalista. E trataremos aqui dessa relação ambígua de Russell com o racionalismo, partindo da tese de que Russell será movido em suas investigações filosóficas por um racionalismo fraquejante.

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A conversa assimétrica: identidade e diferença

28 sábado dez 2013

Posted by Rico in Antropologia, Contemporaneidades, Deleuze, Filosofia da Diferença

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Alteridade, Deleuze, Devir, Etnocídio, Ocidente

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O Ocidente e os primitivos

      No texto Entre silêncio e diálogo, Clastres mostra que o Ocidente teria, como elemento imanente à sua constituição, “a muito notável intolerância (…) diante de civilizações diferentes, sua incapacidade de reconhecer e aceitar o Outro como tal, sua recusa em deixar subsistir aquilo que não lhe é idêntico” (CLASTRES, 1968, p. 87). Daí o fato dos encontros com os primitivos, sobretudo à época da descoberta do Novo Mundo, terem sido mediados, na sua maioria, pela violência. O que, por sua vez, levará Clastres a descobrir a vizinhança entre Razão e violência. Estranha vizinhança que o humanismo não saberá reconhecer e que irá situar-s bem ali aonde não se olha, onde não se quer olhar: nas sombras da história. Para o antropólogo francês, sem o recurso à violência a Razão jamais teria instaurado seu reino (idem, ibidem, p. 87). Conclui-se, com muita facilidade, que a violência nada mais foi que a condição de possibilidade do domínio da Razão – é preciso quem sabe acrescentar, sob pena de perdermos o essencial: foi também sua força e expressão mais vivaz.

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“Fahrenheit 451”: ensaio sobre uma cartografia dos signos

22 quinta-feira ago 2013

Posted by Rico in Acontecimento, Arte, Contemporaneidades, Deleuze, Filosofia da Diferença

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Aprendizagem, não-filosofia, Pensamento sem imagem, Representação, Signo

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Introdução

      Um livro. Ocorre às vezes que um livro permite que nele se adentre por pórticos secretos, insuspeitos, originais, de acordo com um certo rizoma que permite ao livro estabelecer uma relação com o Fora que o atravessa; daí que uma máquina[1] literária pode então agenciar com outra máquina, filosófica ou científica[2]. Em Fahrenheit 451 (1953), Bradbury prepara um plano (no sentido geométrico) para tal agenciamento maquínico. As ressonâncias de sua obra delineiam uma nova imagem do pensamento (ou pensamento sem imagem) e legitima uma intercessão entre ela e a cartografia conceitual do filósofo francês Gilles Deleuze, cuja filosofia tinge este artigo. Segundo Deleuze, a filosofia “deve criar os modos de pensar, toda uma nova concepção do pensar” (DELEUZE, 2006, p. 178), e desta constatação retira-se a necessidade de uma crítica à representação, isto é, à “imagem moral e dogmática do pensamento.” Desse modo, tentar-se-á neste artigo de mostrar como o livro de Bradbury escapa do paradigma representacional do pensamento, arriscando uma outra maneira de pensar, uma outra concepção do que significa pensar.

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Devir-cósmico: a arte como linha de fuga ao antropocentrismo do pensamento ocidental

03 sábado ago 2013

Posted by Rico in Antropologia, Arte, Contemporaneidades, Deleuze, Filosofia da Diferença, Nietzsche

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Antropocentrismo, Deleuze, Devir-animal, perspectivismo ameríndio, Viveiros de Castro

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Perspectivismo e animismo

      O perspectivismo cosmológico ameríndo irrompe como uma crítica radical ao antropocentrismo paradigmático do pensamento ocidental. Pensamento cujo fundo comum parece ser a velha máxima protagórica – considerando seus desdobramentos e metamorfoses no decorrer da história da filosofia, pois, o que se trata de indicar aqui com sua menção é o seu eco nessa história – de que o homem é a medida de todas as coisas. Esse antropocentrismo expulsa todas as formas não-humanas das esferas do pensamento e da cultura: animais, plantas e pedras como o “outro absoluto”, separado do homem pelas fronteiras da humanidade desse homem que não aceita nada que não seja humano. O homem, separado da natureza (do não-humano), impõe à natureza sua forma, e afirma para si uma espécie de “sobrenatureza”, a partir da qual ele projeta no não-humano sua humanidade e o enclausura na exterioridade de sua não-humanidade. Estabelece-se, a partir daí, uma transcendência que abre para uma relação de dominação do humano sobre o inumano. E não é à toa que para Nietzsche (p. 54), a educação (i.e domesticação) pelo sistema da cultura da moral aparece como sendo o processo pelo qual o homem é como que separado de sua animalidade. Mas tal separação só é possível porque se parte do pressuposto de que o homem é algo distinto dessa animalidade, que enquanto alteridade radical adquire um sentido puramente negativo: o “bárbaro”, a “besta loura”, mas também o selvagem das Américas.

      Mas o perspectivismo oriundo da metafísica animista dos povos ameríndios se oferece como uma alternativa à velha imagem do pensamento. Ora, em que consiste o animismo? Ele consiste em afirmar um vínculo originário entre a humanidade e a não-humanidade. Viveiros de Castro assim descreve a cosmologia ameríndia:

Os mitos indígenas descrevem uma situação originária onde todos os seres eram humanos, e a perda (relativa) dessa condição humana pelos seres que vieram a se tornar os animais de hoje. Ou seja, se para nós os humanos “foram” apenas animais e se tornaram humanos, para os índios os animais “foram” humanos e se tornaram animais. (CASTRO; MOURA, p. 1)

      No princípio, humanos e não-humanos (os animais e outros seres da floresta, como os espíritos etc.) povoavam um mesmo plano de imanência. Mas em que consistia esse plano de imanência? Para responder a essa pergunta é preciso evocar a história da separação entre os humanos e os não-humanos. Ora, segundo uma via evolucionista, o homem separou-se de sua natureza, isto é, de sua animalidade, e tornou-se, enfim, homem. O homem, portanto, é o produto da separação entre natureza e cultura, sendo essa última aquilo em que consiste a humanidade do homem. O reino da cultura distingue-se do reino da natureza e o homem nasce em seu seio – só pode nascer em seu seio, é preciso acrescentar. O fundo comum entre humanos e não-humanos é a animalidade. Mas, há uma virada na cosmologia ameríndia: o fundo comum entre o humano e o não-humano não é mais  a animalidade, mas a humanidade, de modo que “a grande divisão mítica mostra menos a cultura se distinguindo da natureza que a natureza se afastando da cultura”. O homem, assim, não abandona sua animalidade para, depois, conquistar sua humanidade, mas é o animal que se torna, nas palavras de Viveiros de Castro, “ex-humanos”, perdendo suas propriedades humanas. O homem apenas manteve essas propriedades, sendo aquele que não sofreu diferenciação desde a origem, permanecendo “igual a si mesmo” (CASTRO, 1996).

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Sur Nietzsche: dois aforismos noturnos

28 domingo jul 2013

Posted by Rico in Aforismos, Contemporaneidades, Deleuze, Filosofia da Diferença, Nietzsche

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Cristianismo, Dialética, Diferença, Niilismo, Ressentimento

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I

Cristianismo, ressentimento, má-consciência e ideal ascético – Nietzsche vê o judaico-cristianismo como uma doença, como um veneno para o homem de um tipo mais refinado, altivo e alegre. O cristianismo promove o niilismo: o ódio e o repúdio pela vida em nome de uma outra vida, num outro mundo, superior a este. O ideal supremo do judaico-cristianismo é o ideal ascético – a negação da vida. O judaico-cristianismo  amesquinha o homem quando instala o ressentimento e a má-consciência como seus princípios fundamentais. Daí que Nietzsche dirá que o homem do cristianismo – o cristão – é um decadente (separado de tudo o que pode): vingativo e rancoroso para com a vida (niilista). Dizem que Jesus morreu na cruz para nos salvar, ledo engano, ele morreu, de fato, mas para nos dizer: vocês são culpados, a vida é culpada, maldita, amaldiçoada, eu os provo isso com meu sangue e minha dor. É preciso desenvolver um pensamento capaz de superar o “pathos cristão”, inaugurando assim novos modos de sentir, de ver e de estar no mundo, para além do ressentimento e da má-consciência, do ascetismo e da degenerescência, em suma, “para além do bem e do mal”.

II

Sobre Nietzsche e a dialética – A dialética, tal como Nietzsche a compreende é aquilo que caracteriza a negação como forma de viver e de pensar. O dialético é o filho da negação, aquele que insere no pensamento o peso do negativo. Nietzsche nos ensina que não basta uma relação, ainda que essencial, entre dois objetos, para se falar em dialética, e sim que tudo está ligado ao lugar ocupado pelo negativo nessa relação. Segundo a teoria das forças elaborada por Nietzsche, uma força está sempre em relação com outras forças, e tais forças são justamente o objeto da força. O problema reside no fato de que uma força que domina nunca nega as forças que subjuga. A negação não é aquilo do qual a força retira a sua atividade. Vale citar Deleuze, que diz que em Nietzsche, a negação é tão somente um “luxo”, um “gozo” da afirmação – ela sempre vem depois. A negação só pode ser o resultado de uma força ativa enquanto afirmadora de sua diferença. A força não nega tudo aquilo que ela não é, as outras forças, mas afirma aquilo que ela é enquanto força. Mas a dialética substitui a agressividade própria às forças ativas afirmadoras da diferença pela vingança e o ressentimento, oriundos da negação de tudo aquilo que uma força não é. Nietzsche irá opor aos elementos dialéticos (contradição, negação e oposição) o gozo da diferença, a dança, o riso, e a leveza da afirmação. O destino do dialético é a fraqueza, por ser incapaz de afirmar a sua diferença. Por isso ele se vinga e se ressente. E o ponto de Nietzsche é precisamente este: pensar a vida, e o próprio exercício de pensamento, para além dos preconceitos da dialética, da vilania típica da dialética. É algo como não dialetizar o mundo, não introduzir no mundo os movimentos da contradição, da negação e da oposição. Colocar-se para além dos modos de vida reativos, caracterizados justamente por serem aqueles que estão separados daquilo que eles podem. É esse o caráter propriamente antidialético de Nietzsche e o de uma filosofia vindoura.

L’Aube: Deleuze, hecceidade, suscitar acontecimentos

19 quinta-feira jan 2012

Posted by Rico in Acontecimento, Deleuze, Filosofia da Diferença

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Acontecimento, Caos, Filosofia, Involuntário, Pensamento

      Mais uma madrugada, mais pensamentos, ideias, que vêm e vão como relâmpagos dourados rasgando insistentemente a treva noturna; lutas, confrontos, angustias e alegrias… na qual os demônios cantam e vibram como se estivessem em grandiosas saturnálias, fazendo um barulho dos diabos.

      Nesta madrugada insone e tortuosa – como costumam ser todas as madrugadas insones de pensadores de alma inquieta que encontram na insônia uma potência positiva do pensamento -, pergunto-me: como impedir que o pensamento nos escape? Ah, como é triste e doloroso perder um pensamento! Quase enlouquecemos e, no entanto, estamos aqui, uma vez mais, para quem sabe ter uma ideia que fique, que persevere em nosso pensamento. Ideias que fulguram em nosso espírito – entendo espírito como cérebro – e que depois desaparecem. Um amor casual, efêmero, livre: elas [as ideias] vêm, nos arrebatam, e depois partem, for ever.

      Encontrava-me sentado na frente do PC, lendo um artigo sobre o estatuto da Ética em Deleuze, pautado na leitura que Deleuze fizera da obra de Espinosa e de kafka. Antes disso, encontrava-me lendo um artigo qualquer – muito mal escrito – sobre o conceito de vontade de potência em Nietzsche. Notei, então, que muito das ideias que tinha enquanto lia esses textos desapareciam – costumo, sempre, sair do texto, dar grandes voltas, lançar-me à exploração de ilhas estranhas e secretas que o próprio texto, de algum modo, me dá acesso, para então retornar a ele, com um ânimo renovado. Queria que essas ideias não desaparecessem. Algumas delas eram muito boas, talvez me auxiliassem num escrito futuro… talvez…

      O que fazer? Exasperamo-nos. Queremos agarrá-las mas falhamos, são demasiadamente escorregadias e velozes. Elas fogem. Deleuze, lendo Espinosa, observa que em relação às ideias, somo como autômatos espirituais: “é preferível dizer que são as idéias que se afirmam em nós do que dizer que somos nós que temos idéias”. Dizer que nós não temos ideias significa que as ideias são objetos de encontros independentes de uma formação subjetividade qualquer. As ideias nos afetam, diz-nos Espinosa; e isso é tão belo em Espinosa! Somos afetados, mas é preciso alertar para o fato de que o afeto não se define pela ideia, pela sucessão de ideias – por exemplo, quando passo da ideia de quente para a ideia de frio -, mas por um “regime de variação contínua” que encontrará os seus polos nas noções rigorosas de alegria e de tristeza; ideias, sempre selvagens, rebeldes… elas nunca se submetem à uma vontade intransigente de um suposto sujeito do pensamento (como queria Descartes e Kant).

      Pensar é ter ideias – conceitos em filosofia; funções em ciência; afetos e perceptos em arte -, mas não se pensa segundo uma vontade: pensa-se por espasmos, por crises e abalos… só se pensa por violência (violência simbólica dos signos que nos atravessam e que independem de nossa vontade, de um sujeito dotado de consciência e de vontade). O que isso quer dizer? Quer dizer que é através dos encontros e dos acontecimentos que engendramos pensar no pensamento, que retiramos o pensamento do inatismo e do seu natural estupor. O pensamento, diz-nos Deleuze, é sempre a força de um involuntário, subvertendo a lógica do cogito cartesiano.

      Solicitamos um pouco de ordem, ordem essa que nos protegeria do caos mental:

“Nada é mais doloroso, mais angustiante do que um pensamento que escapa a si mesmo, ideias que fogem, que desaparecem apenas esboçadas, já corroídas pelo esquecimento ou precipitadas em outras, que também não dominamos.” (DELEUZE & GUATTARI,  1992, p. 259)

      Pedimos apenas que nossas ideias não se percam nesse caos mental que incessantemente espreita o pensamento e o ameaça lançar à imobilidade; que não nos escapem, que não se dissolvam, que não sejam como essas variabilidades infinitas nas quais coincidem sua aparição e desaparição. Pedimos, afinal, que elas sejam consistentes e que sua duração seja como aquela de uma obra de arte: que atravesse os séculos e as eras. Sem isso, mal seríamos capazes de escrever um post breve como este que vos escrevo.

      Todavia, se o pensamento é esse força do involuntário, que chega, que invade nossa casa – o cérebro – sem nem mesmo bater na porta, não seria o caso de pensarmos que o seu desaparecimento tem que ver com essa involuntariedade do próprio ser do pensamento? Eis o que concluo: “entra quando quer, sai quando quer”. O filho rebelde, o filho ardiloso e embusteiro, mas que, todavia, amamos como todos os pais amorosos.

      Mas, afinal, o que pensava eu ao escrever este post? Pensava que poderia compartilhar com meus leitores essa minha hecceidade: comunicar-lhes um pensamento “acontecimental”, afetar-lhes no âmago de seus corpos e de suas almas (o que, no fundo, dá no mesmo). Somos hecceidades, tão só hecceidades. É o que diz o filósofo. O que é uma madrugada como esta? É um modo de individuação que não se confunde com aquele de uma coisa ou de um sujeito. Falamos de um modo de individuação que antecede tanto aquilo a que damos o nome de objeto quanto aquilo que damos o nome de sujeito: pre-objetivo e pre-subjetivo. Não é difícil de entender. Elas [as hecceidades] apenas mudam algo em nós: nos faz entrar em devir. Fui impelido a escrever este texto. É pela força, pela “tirania” dos encontros e dos afetos, que escrevemos: somos arrastados à escrita, como que por uma correnteza de um rio feroz. É esse o meu alegre caso.

      Enquanto escrevo, minhas ideias continuam fugindo, enquanto escrevo… tento… tornar possível o pensamento: traçando um plano de imanência que recorta o caos e lhe dá um sentido, uma consistência.

Bibliografia:

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a filosofia? São Paulo: Ed. 34 Ltda. 1992.

Opúsculo a uma filosofia da diferença: o acéfalo e o pensamento diferencial

12 sábado nov 2011

Posted by Rico in Deleuze, Filosofia da Diferença, História da Filosofia, Nietzsche

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Deleuze, Diferença, Genitalidade, Pensamento, Signos

Human Brain (12 x12, óleo sobre tela) - Hall Groat II.

Human Brain (12 x12, óleo sobre tela) – Hall Groat II.

     Quem é o acéfalo? Dir-se-á que o acéfalo se define pela oposição de valores lógicos no pensamento (oposição entre aquilo que eu penso como verdadeiro e aquilo que o outro pensa como falso). O acéfalo seria, assim, o inverídico em oposição ao verídico, àquele que está de posse do verdadeiro, “não diga esse tipo de coisa, seu acéfalo…” etc. Não ter um compromisso com o verdadeiro ou tomar o falso pelo verdadeiro é a atitude que caracteriza o acéfalo. Mas nós pensamos, ao contrário, que este não seja um bom conceito de acéfalo, seria preciso dar-lhe novos elementos. E como se não bastasse, acreditamos que tal conceito ocultaria do pensamento sua própria gênese (ele se torna órfão).

     Para nós, o acéfalo nada tem a ver com o que se diz dele comumente. Se para a maioria, ser acéfalo é não pensar com verdade, para nós o acéfalo é o estéril. O elemento do pensamento não é o verdadeiro e o falso, mas a criação. Define-se o pensamento pela sua genitalidade e não por valores lógicos que só vêm depois, quando o pensamento, enquanto criação, já se realizou1. O não-pensamento (o ser-acéfalo do pensamento) consiste em ser estéril no pensamento, e nesse sentido há mais acéfalos do que pode imaginar nossa vã filosofia. É difícil, árduo… o ato de criação ocorre aqui e acolá, nunca ordenadamente ou segundo um progresso, uma evolução, uma história necessários; a criação se dá precisamente no momento em que se rompe com o progresso, a evolução e a história. Sai-se de tudo isso para criar e nunca se trata de algo certo (o fracasso ronda o criador) – seja em filosofia, em arte ou em ciência (as três formas do pensamento ou Caóides). O que é ter uma Ideia? Em filosofia, ter uma ideia é criar conceitos – o conceito é uma Ideia (já não se trata da Ideia preconizada por Platão, visto que não há transcendência, mas pura presença da ideia num plano de imanência). E haverá ainda uma complicação, que se verá mais tarde num livro derradeiro de Gilles Deleuze, que consiste em, por meio da ideia de pensamento como criação, dar ao pensamento, outrossim, um caráter prático, empirista:

“Pensar é experimentar, mas a experimentação é sempre o que se está fazendo – o novo, o notável, o interessante, que substituem a aparência de verdade e que são mais exigentes que ela. O que se está fazendo não é o que acaba, mas menos ainda o que começa.” (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 143)

      Quando se cria um conceito… é festa, é a alegria e gozo (o momento feliz da diferença). Isso não acontece frequentemente. Não se decide fazer um conceito ex nihilo, o conceito possui uma necessidade de criação sem a qual ele não seria possível. Mas há um problema ainda mais sério: não se pensa por que se quer, mas por que se é forçado a pensar. Em Proust e os Signos, Deleuze tentará mostrar como o pensamento não se define por uma “boa vontade do pensador” (querer o verdadeiro) e por uma “natureza reta do pensamento” (possuir, de direito, o verdadeiro), mas por uma agressão, por uma violência (dos signos). Pensar é ser violentado pelos signos, isto é, pelas forças que animam o pensamento. Só se pensa ao passo de uma dura opressão e aí o pensamento será, sempre, a força de um involuntário, “cada faculdade, inclusive a do pensamento, não tem outra aventura a não ser a do involuntário; o uso involuntário permanece cravado no empírico” (DELEUZE, 2006, p. 211). Isto torna tudo mais difícil, visto que a Ideia ou o conceito dependem desses encontros em que o pensamento põe-se a movimentar-se por forças que lhe são exteriores. Nietzsche soube perceber muito bem essa natureza criativa do pensamento enquanto tal:

 “Não somos rãs pensadores, aparelhos de objetivar e registrar, de entranhas congeladas; temos de parir constantemente nossos pensamentos na nossa dor e dar-lhes maternalmente todo o nosso sangue, coração, fogo, alegria, paixão, tormento, consciência, destino e fatalidade que existe em nós.” (NIETZSCHE, 2003, p. 16)

      Para Deleuze “pensar é criar, não há outra criação, mas criar é, antes de tudo, engendrar ‘pensar’ no pensamento” (DELEUZE, 2006, p. 213), o pensador é a um só tempo, a cadela prenhe e o cão que fecunda. E daí, outrossim, a necessidade de se pensar um novo conceito de acéfalo (para além, é certo, de um moralismo tácito); acéfalo somos todos nós na medida em que não produzimos ideias (os conceitos em filosofia, as funções em ciência ou as sensações em arte2), em que, em matéria de pensamento, somos mulheres de útero ressequido. Com esta nova imagem do pensamento ou pensamento sem imagem (convém melhor este segundo termo, uma vez que tal subversão da imagem dogmática e moral do pensamento não está dissociada de um certo cogito-esquizofrênico3), dá-se ao pensamento novas possibilidades, dentre elas a possibilidade de se pensar o diferente em relação ao diferente e por meio da própria diferença (o simulacro enquanto sistema diferencial). O que está em jogo, aí, é: 1) a invenção de novas formas de pensar para além de uma ortodoxia; e 2) o que significa pensar, o que é o pensamento. O acéfalo só é acéfalo na medida em que não pensa? Sim, já não se trata mais de dizer “o acéfalo é todo aquele que pensa mal” – não! Agora, o acéfalo adquire novos tons, uma melodia nova, ele é o não-pensamento par excellence.

 

 Notas:

 

1: DELEUZE, G. in “Diferença e Repetição“, p. 213-214. “Eis por que Artaud opõe, no pensamento, a genitalidade ao inatismo, mas, igualmente, à reminiscência, estabelecendo, assim, o princípio de um empirismo transcendental: “Sou um genital inato… Há imbecis que se crêem seres, seres por inatismo. Quanto a mim, sou aquele que, para ser, deve açoitar seu inatismo. Aquele que, por inatismo, é aquele que deve ser um ser, isto é, sempre açoitar esta espécie de negativo canil, oh!, cadelas de impossibilidade… Sob a gramática, há o pensamento que é um opóbrio mais forte a ser vencido, uma virgem muito arisca a ser ultrapassada quando ela é tomada como um fato inato. Pois o pensamento é uma matrona que nem sempre existiu”.”

2: DELEUZE, G.; GUATTARI, F. in “O que é a Filosofia?”, p. 277. “(…) plano de imanência da filosofia, plano de composição da arte, plano de referência ou de coordenação da ciência; forma do conceito, força da sensação, função do conhecimento; conceitos e personagens conceituais, sensações e figuras estéticas, funções e observadores parciais”.

3: DELEUZE, G. in “Diferença e Repetição”, p. 214. “À imagem dogmática do pensamento, não se trata de opor uma outra imagem, agora tomada, por exemplo, de esquizofrenia. Trata-se, antes, de lembrar que a esquizofrenia não é somente um fato humano, mas uma possibilidade do pensamento, que apenas se revela como tal na abolição da imagem.”

Referências Bibliográficas: 

 

DELEUZE, G.; GUATTARI, F. O que é a Filosofia? São Paulo: Ed. 34 Ltda, 1992.

_______, _. Diferença e Repetição. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 2ª edição, 2006.      

NIETZSCHE, F. A Gaia Ciência. São Paulo: Ed. Martin Claret. 2ª edição, 2003.

Máximas, frases e outras brincadeiras

"Frequentar um autor, não se trata de mera escolha de palavras, mas de uma prática, questão de vida, não de léxico ou estilo verbal. É uma urgência do pensamento não criar laços doutrinários e fascistas com o que amamos. Deve-se frequentar um autor tal como se frequenta um café e nada mais. Comprar um café e depois ir embora, com a tranquilidade e inocência de quem não produz raízes; deixá-lo [o autor], por mais que se volte outras vezes a ele, assim como sempre retornamos aos cafés que mais nos agradam sem, todavia, fazermos deles a nossa casa."

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